domingo, 19 de maio de 2013


Teoria do Egoísmo

Por Gustavo Gonçalves


   Antes de esmiuçar algo sobre essa ideia, gostaria de fazer um alerta às pessoas que gostam da vida: por favor, não sigam em frente, parem! Sei que isso só estimula a leitura, mas é um simples conselho para que as coisas não mudem de forma negativa para você, agradeço pelo empenho e gentileza, mas é sério, não quero estragar a vida de ninguém!
   E para começar, esqueça tudo o que você aprendeu sobre sentimentos, nada disso é verdade! Durante toda a nossa vida, aprendemos conceitos bonitos em relação aos sentimentos, porém falsos. Você realmente acredita que é possível gostar de alguém? Essa é a maior mentira que já contaram!
   Somos todos - sem a menor exceção- egoístas e egocêntricos. Mas não se culpe por isso, nascemos humanos e possuímos apenas um corpo, a vida é assim e não há o que se fazer.
   Antes que tudo pareça um charlatanismo depressivo, prossigamos para uma análise bem sutil. É bem provável que em algum momento de sua vida, você já sentiu fortes emoções, certo? E possivelmente havia uma outra pessoa envolvida nessa situação, ou melhor, alguém que despertou essa sensação em você. Acredito que até agora não chegamos a nenhum absurdo aparente. É comum vivermos situações assim, praticamente todos os dias vemos "pessoas que gostamos" e que fazem com que o dia fique mais agradável. Mas a verdade é que nunca gostamos de ninguém, mas sim da sensação que cada um desperta dentro de nós mesmos.
   Você não pode gostar de alguém por uma razão muito simples, isso é ilógico. Sentimentos todos temos, e estão dentro de nós, são estímulos psíquicos e físico-químicos  que se manifestam em nosso interior. Mas daí, a dizer que esses estímulos são de uma terceira pessoa é insanidade. Não há como, é algo puramente seu. Ocorrem dentro do seu perímetro corporal. Portanto, quando dizemos sentir algo por alguém, na verdade, estamos tentando dizer que tal pessoa nos causa uma sensação espontânea e interna, e que esta, por sua vez, pode tanto ser boa quanto ruim.
   A lógica é válida para qualquer coisa na vida. Pensemos em alimentos. Não os comemos porque são saborosos - já parou para pensar como algo saboroso é relativo? -, mas sim pois nos causam uma sensação boa, um prazer. Esse estímulo interno tende a nos deixar satisfeitos, mas não é a comida que é boa. Pense que nos arrancaram as papilas gustativas -ou seja, não sentimos mais a diferença entre doce, salgado, azedo ou amargo- e o olfato, qual seria a diferença entre comer uma picanha de churrasco ou um monte de cocô? Além da questão da textura, não sentiríamos nada, pois ambos não estariam nos causando sensação alguma (além do tato, claro).


   Paixão é a forma mais absoluta de egoísmo. Não bastando você estar dopado de prazer pela sensação que alguém o desperta, você precisa daquela pessoa para que possa continuar sentindo esse estímulo da melhor maneira possível, com prazer. Porque caso ela fique longe, o efeito reverso, de abstinência e sofrimento, se manifestam. Resumindo, apaixonar-se por alguém nada mais é do que querer ter por perto uma terceira pessoa (que nada tem a ver com o assunto, na maioria das vezes), para que assim você usufrua de estímulos internos e possa se sentir bem.
   O ser humano é uma ilha e sempre será. Pode ser que nos correspondemos verbalmente para tentarmos decifrar o que sentimos internamente, mas nunca nos corresponderemos por intermédio emocional. Compatibilidade emocional- talvez-, intermédio nunca.
   E aquele presente bonito que ganhávamos de natal? Gostávamos do presente ou da sensação? É bem provável que você nem tenha mais o tal presente, e se ainda tiver, se pergunta "Nossa, como algo tão simples já pôde me fazer tão feliz?!", pois já não te causa mais a mesma sensação de antes. Gostávamos da sensação, o presente, na maioria das vezes, perdia a graça com o tempo.
   Seus amigos não são entidades mágicas que passam felicidade pelo ar e contaminam sua corrente sanguínea. São apenas pessoas que têm compatibilidade psicológica com você e que fazem com que  estímulos de conforto, felicidade, preocupação, alegria, entre outros, se manifestem dentro de seu corpo. E somente são seus amigos por causa dessas sensações, pois caso contrário você os refutaria (assim como as pessoas de que não gosta). Somos egoístas, não tem jeito.
   Depois disso tudo a solução não é sair por aí fazendo a marcha do suicídio coletivo. Mas que amplifiquemos nosso bom senso em relação aos outros. A vida nunca vai mudar, essa é uma condição pré-estabelecida.
   E para encerrar, gostaria de deixar registrado que isso não é caótico. É a vida em sua mais pura essência. Até o homem mais generoso, só age assim, pois gosta do sentimento que seus atos altruístas lhe causam, senão não os faria.

domingo, 17 de março de 2013


O Bobo que Rasga a Calça
Por Gustavo Gonçalves

O bobo tentou, e tentou,
e logo a calça rasgou
A plateia sorriu e aplaudiu,
e o ego do bobo inflou.

Os dias passaram,
e o bobo não parou
Nova plateia
e a calça, o bobo novamente rasgou.

Os anos seguiram
E o bobo continuou
Até que um dia
O ritmo mudou.

O adulto não riu
A garota não riu
A parede não riu
O arbusto não riu.

O bobo novamente tentou, e tentou,
mas outra vez... falhou
A calça rasgou,
mas o riso cessou .

E pela primeira vez, ser bobo
era apenas ser bobo
Então o bobo, com seus atos estúpidos,
parou.

sábado, 26 de janeiro de 2013


Sr. Splint
Por Gustavo Gonçalves

   Mais um dia na saída da escola Voltaire e as únicas almas presentes no pátio escolar eram Josef Montgomery e Adam Splint. Este tinha uma cara chupada de extraterrestre e uma voz de timbre agudo que parecia falar com os dedos apertando o nariz, enquanto aquele era um judeu de voz mole e cabelo raspado.
   O pátio escolar quadrado abrigava apenas os dois, embora houvesse mais pessoas na escola - apenas tias, secretárias e a diretora tomando o seu copo de água e arrumando sua maletinha para partir para o almoço -,  e os garotos sentaram no chão enquanto esperavam suas mães. Normalmente essa área do pátio estaria com o sol fritando os miolos de alguém, o que não era o caso desse dia, pois estava nublado. Atrás dos garotos havia duas pilastras que sustentavam o corredor do segundo andar, onde se recostavam.
   - Que saco, Adam, meus pais estão me negando dinheiro de novo. - diz o judeuzinho esticando as pernas sobre o cimento.
   - Ora, ora, e eu que pensei que seus pais confiassem em você. Sinceramente, você tem cara de bobo demais para eles te negarem alguma coisa.
   - Eu tenho cara de quê?!... Enfim, não é isso, acho que eles estão sem grana mesmo.
   - Puxa vida, Josef! Como assim estão sem grana? Eles são judeus, se bobear deve ter notas de cem dólares escondidas até embaixo do epitélio do seu pai. Acredite em mim, se tem uma coisa que Hitler ensinou aos judeus foi a esconder dinheiro.
   - Mas, Adam, faz duas semanas que eu não trago um centavo para o intervalo!
   - Qual é a do seus pais, hein? Eles são judeus ou turcos? Ou será que são judeus turcos?!... Malditos turcos otomanos, por que tinham que pegar justo Constantinopla?
   - Eles não são turcos. É como eu disse, é só uma fase ruim, eu acho...
   - Não existem fases ruins para judeus quando o assunto é dinheiro, vamos lá, aposto que tem uns dez reais escondidos na costura da sua mochila.
   Splint abre sua mochila e tira um canivete suíço - sua sorte é que ninguém viu, pois é proibido andar armado na escola - e puxa a mochila de Josef abrindo um rasgo com a faca afiada do acessório na parte do meio perto das alças, onde se apoia as costas.
   - Que azar, meu amigo, até tinha uma nota de vinte aqui, mas acabei rasgando ela no meio. E como sua mãe costura bem, nem dá pra perceber as linhas soltando, o que é isso? Ponto cruz?
   - Você rasgou minha mochila! - Josef escancara a boca de surpresa - Como vou voltar pra casa agora?! Meu material vai cair tudo e minha mãe vai me matar.
   Splint olhou pensativo para o amigo e caminhou desengonçadamente até a lixeira mais próxima. Ergueu o tambor e lançou todo o lixo no chão - havia apenas alguns pedaços de lanches rejeitados e duas latinhas de Coca-Cola. Então Adam pegou o saco preto de lixo que estava no tambor e envolveu a mochila de Montgomery.
   - Pronto, aí está, e essa você precisa usar só uma das mãos. De nada por isso.
   - Ei, eu não vou andar por aí igual ao velho do saco!
   - Relaxa, as gatinhas adoram um mendigo...
   - Não, elas não adoram. Não vê como a Andressa odeia chegar perto do Rodolfo só porque o pai dele já foi mendigo?
   - Aquela menina não conta, ela compra até cremes da Victoria's Secrets.
   - Pelo menos vou conseguir levar meu material embora, espero que não suje...
   Os dois se recostaram de novo nas pilastras até o estômago de Josef lançar um estrondoso som de borborigmo. Adam olhou para o amigo inclinando uma das sobrancelhas e franzindo parte de sua testa já com algumas entradas indicando uma calvície prematura em seus cabelos castanhos.
   - Minha mãe precisa chegar logo. - diz Josef espremendo as mãos contra o abdômen.
   - Tudo bem, isso é só uma sequência de movimentos peristálticos. Eu costumo ter muito disso quando vou dormir, eles são tão altos que parece que tem uma cobra arrotando na minha barriga.
   - Mas eu estou com muita fome...
   - Hm, que tal uns farelinhos de bolacha de gergelim? É tudo o que eu tenho por aqui...
   - Eca!
   - Quanta exigência, pensei que estava com fome!... Vamos ver, olha ali, tem uns musgos!
   Josef Montgomery olhou para onde o dedo ossudo do amigo apontava - uma pilha de lodo que cobria como um manto de camurça o vão das placas de cimento cinza no chão próximas às bordas da parede - e fez uma expressão de quem chupava limão.
   - Eu não vou comer isso!
   - Vamos lá, meu chapa! são só umas briófitas. Você come alface não come? É quase isso só que em miniatura. Tem uns rizoides, uns cauloides e uns filoides bem nutritivos. Talvez tenham uns esporófitos também, mas só se tiver chovido por esses dias, esse tempo nublado me engana. Sabe que eu não me lembro de ter chovido, você se lembra?
   - Para com isso, eu não vou comer!
   - bom filhinho da mamãe, chega na sua casa então e toma seu Ades de maçã e prepara seu terno pra ir para a sinagoga.
   No mesmo instante os garotos são interrompidos pela secretária Adriana, uma mulher de uns quarenta anos de cabelos negros esvoaçados e uma cara de formato de banana com um longo queixo pontiagudo.
   - Olá, meninos! Ainda estão por aqui?!
   - Pois é, nossas mães sempre demoram. - diz Adam com cara de apatia como se repetisse a informação umas trezentas vezes por dia.
   - É... antes que eu me esqueça, é que estou meia confusa, que dia é hoje mesmo?
   - Hoje é dia vinte e dois. - diz Josef com precisão de um calendário humano.
   A mulher esguia, que parece uma bruxa ou um dos integrantes do Ramones, agradece pela informação e volta à secretaria.
   - Minha mãe conhece ela desde que eu estava na quarta série. Até que ela é legal. - diz Josef observando a mulher sumir pelo corredor.
   - Ela é uma calamidade para a língua portuguesa, isso sim! Como ela pode estar "meia" confusa?! Talvez eu devesse cortá-la ao meio e resolver esse problema para ela. Aposto que essa tia não sabe nem apertar um grampeador, ela deve precisar de uma auxiliar pra grampear provas.
   Finalmente o celular de um dos garotos faz um barulho - chegou uma mensagem -, era a mãe de Splint dizendo que já havia chegado e o esperava em frente ao portão da escola.
   - É isso aí, meu amigo, vou indo nessa.
   - Até amanhã, Adam!
   - Até, meu bom amigo! E lembre-se, caso aquela diretora fascista peça a você para entrar numa sala, pois é apenas uma sala de banho... não acredite! Ela está de olho em você faz tempo.
   - Tudo bem, até mais.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013



Inspirado em:






                            Morrer e Viver

                       Capítulo I – Correndo da morte

  Matheus e Robson correram o mais rápido que podiam pela Rua Alferes Talião,  procuravam um esconderijo para escapar da multidão de mortos-vivos que os perseguia. Todos os comércios estavam saqueados e com os vidros quebrados, o que não era nada seguro para se instalarem. Nas ruas restavam apenas carcaças inúteis de carros, placas quebradas, postes caídos e lixos espalhados pelas calçadas. Uma cena caótica.
   - Nós temos que encontrar um lugar rápido, Rob, não consigo mais correr.
   - Aguenta aí, amigo, eu sei que tem alguma casa por aqui.
   - Eu não sei mais quanto tempo eu aguento nesse ritmo, acho que preciso recuperar o fôlego, espera...
   Quando Matheus parou ao lado do hidrante para tomar um pouco de ar, Robson pôde ver com detalhes o que os perseguia. Não eram alguns, mas talvez dezenas daquelas criaturas fétidas e apodrecidas que um dia já foram pessoas comuns. Para a surpresa de ambos, o fim da rua também estava obstruído por um grupo de zumbis rastejando a procura de alguma carne fresca para rasgarem.
   - Não vamos conseguir, Rob! Eles estão por toda parte!
   - Cala a boca, Mat!
   - Eles nos cercaram, não viu?!
   - Eles cercaram esta rua, não a gente, olha aquela esquina logo em frente...
   Os dois retomaram a corrida e viraram a esquina antes que os zumbis famintos pudessem alcançá-los. Assim como na rua anterior, essa estava repleta de comércios saqueados, porém, ao seu fim havia um grande portão de grades e uma grande residência.
   - Olha, Rob! Tem uma casa lá na frente!
   - Sim, eu vi, vamos correr o mais rápido possível antes que essas coisas nos alcancem, acha que consegue?
   - Vou tentar...
   Os dois apertaram mais o passo e fizeram o possível para não serem avistados. Ao passarem do lado de um beco úmido e escuro se descuidaram de manter a atenção para o que poderia haver lá. Sem que qualquer um dos garotos pudesse perceber, uma mão putrefata surgiu da penumbra e agarrou a perna de Matheus, que levou um tombo. Robson, que estava mais a frente, ficou estarrecido ao ouvir o grito do amigo.
   -ROOOB! ME AJUDA!
   -MERDA! LARGA ELE!
   Robson correu até um pedaço de poste que estava jogado no meio da rua. Sem hesitar, meteu o pedaço de cano na mão que agarrava o amigo. O golpe foi tão forte que arrancou o braço fora. Isso chamou a atenção dos zumbis que por ali caminhavam e deu a posição dos que os perseguia.
   Matheus levantou-se com a ajuda do amigo e ambos se agacharam perto do carro mais próximo, que beirava a guia, para tentarem despistar os zumbis.
   - Rob... meu deus... achei que fosse morrer, cara... nunca terei como te agradecer.
   - tudo bem, cara, eu acabei com ele.
   - Obrigado, de verdade, você salvou minha vida!
   - Relaxa, cara... só toma mais cuidado!
   Por sorte os poucos zumbis que circulavam por essa rua voltaram a andar sem rumo, nem a multidão que antes os perseguia parecia tê-los localizado, porém o dono da mão apodrecida se pôs a luz e começou a rastejar na direção deles soltando um grunhido. 
   - Graaaaahrrr...
  Os dois miraram no zumbi ao mesmo tempo.
   - Mas que porra é essa?!
   - Meu deus! Como... pode estar... Nossa!
   - Vamos dar o fora daqui, Mat!
   O cadáver rastejante estava retalhado pela metade, os intestinos à mostra, uma gosma preta cobria a parte gangrenada do zumbi, que se movia com apenas uma das mãos. 
   Os dois, depois de correrem por mais alguns passos, chegaram ao fim da rua e posicionaram-se em frente ao portão da grande residência. 
   - Cara, nunca vamos conseguir subir aí.
   - Ou a gente consegue, ou vamos virar jantar dessas coisas...
   - Mas é muito alto, Rob... Que tal se a gente entrasse nessas outras casas vizinhas?
   - Com esses portões arrombados? Qual seria a diferença se ficássemos aqui fora? Não, vamos conseguir!
   Robson tentou empurrar um dos carros que estava próximo, mas sem sucesso, o freio de mão devia estar puxado, e quebrar o vidro ali não parecia uma boa ideia. 
   O sol começava a se pôr, a luminosidade era tudo o que dava aos dois um pouco de segurança no meio daquela carnificina ambulante. Os mortos-vivos eram mais ativos à noite, e por isso costumava ter mais deles vagando pelas ruas na escuridão.
   Muitos destroços espalhados pelas ruas, mas a única coisa que Robson conseguiu avistar de útil foram duas lixeiras do outro lado da rua, próximas da esquina da rua de onde tinham acabado de vir. 
   - Escute bem, Mat, não vamos poder vacilar. Você entendeu?
   - Claro, mas no que você está pensando?
   - Tá vendo aquelas lixeiras ali? - Matheus consentiu com a cabeça - Então, vamos ter que correr até elas e trazê-las o mais rápido pra cá, depois vou encostar uma no portão e tombar a outra pra que a gente suba nelas e alcance o topo do portão, certo?
   - Mas e se essas coisas pegarem um de nós, Rob?
   - Para de pensar nisso, não vai acontecer, apenas faça o que eu te disse!
   Os garotos se posicionaram como corredores, inclinados e com as mãos no chão, e esperaram o momento mais oportuno, onde não houvesse muitos mortos-vivos vagando. Assim que o fluxo abaixou e o caminhou ficou livre, Rob deu um salto e pôs-se a correr o mais rápido que conseguia. Matheus estava um pouco acima do peso, por isso não pôde acompanhar o ritmo do colega, mas manteve-se numa distância razoável logo atrás.
   Chegando primeiro, Rob pegou a lixeira e retornou ao portão empurrando-a pelas rodas da parte inferior. Matheus não teve a mesma sorte, nem o mesmo tempo que o amigo, sua lixeira estava cheia de lixo, o que a tornava mais pesada e difícil de empurrar.
   No meio do caminho alguns zumbis que estavam mais próximos notaram o barulho da caminhada de Matheus e começaram a se direcionar a ele. Em pânico, o garoto pôs-se a correr mais depressa, e assim que chegou ao local combinado jogou a lixeira no chão para servir de andar. O problema é que havia vidro dentro dela, o impacto do vidro quebrando e escapulindo para fora chamou ainda mais a atenção dos zumbis. 
   - PUTA QUE O PARIU, MAT!
   - Desculpa, cara...
   -RÁPIDO, VAMOS!
   Rob escalou as lixeiras sem muitos problemas, logo pulou no portão e se agarrou às grades do topo, conseguindo escorar o pé e manter-se firme. Mat foi em seguida, mas quando estava sobre a segunda lixeira virou-se e viu que um zumbi estava muito perto, o que o fez entrar em pânico e começar a tremer.
   -ANDA, MAT! ME DÁ A SUA MÃO! - Gritou Robson se inclinando e estendendo a mão.
   Matheus segurou na mão do amigo, e com o impulso para subir acabou deixando a lixeira cair, ficando, assim, pendurado pela mão de Robson. 
   -VAMOS, CARA! AGARRA O PORTÃO COM A OUTRA MÃO!
   - EU NÃO VOU CONSEGUIR, ROB!
   E os zumbis logo abaixo erguiam os braços tentando alcançar suas pernas.
   -CALA ESSA BOCA E SOBE LOGO!
   Ao mesmo tempo em que essa cena acontecia, uma pequena sombra observava tudo de dentro da sala de estar da residência.
   Com muito esforço Matheus conseguiu segurar a grade, sua mão suava muito, o que não ajudava. Os dois garotos tinham conseguido ficar em cima do portão, mas agora tinham outro problema. Era alto demais para pularem, e não podiam descer escorando as grades, pois os zumbis já tinham aglomerado ali embaixo e roçavam os braços com ossos expostos por entre os vãos do portão.
   A saída foi se moverem até a parede e de lá pularem, pois havia um pequeno aglomerado de mato seco no meio de um imenso jardim, que só era interrompido pela residência e pelo caminho de cascalhos que levava do portão à casa e à garagem. 
 Os dois executaram bem a queda e não se feriram.
   - Que muros altos, cara, sorte que tinha esse monte de mato aqui.
   - Nem diga, Mat, tivemos muita sorte mesmo.
   - E agora? Vamos entrar na casa?
   - E por que não faríamos isso? Ou acha que pulamos o portão pra ficarmos andando por esse mato aqui?
   - Claro que não, o que eu quis dizer é e se tiver gente morando aí ainda?
   - Só há uma maneira de descobrir isso, meu amigo.
   - Mas e se eles tiverem armas, Rob? Tenho certeza que não vão hesitar em atirar na gente, eu não teria no lugar deles!
   - Calma, cara! não vamos chegar arrombando, primeiro eu vou chamar por alguém e dizer que precisamos de ajuda. 
   - bem...
   Os garotos seguiram a trilha de cascalho, a qual se encontravam os portões logo atrás deles, havia um bando de mortos-vivos os forçando, mas eram feitos de aço e resistiram muito bem a toda aquela força.
   Quando chegaram próximos à casa branca e rosada perceberam o quão majestosa construção era. Devia ter uns vinte cômodos ou mais, todos com grandes janelas cobertas por cortinas tão grandes quanto. A porta da frente era enorme e feita em mogno escuro, para ter acesso a ela bastava subir alguns degraus. 
   Rob e Mat tocaram a campainha, e para a surpresa de ambos ouviram o latido de um cachorro, que em poucos segundos parou. 
   - Você ouviu isso, Mat? Tem gente aqui, vamos dizer a eles que somos amigáveis, que só queremos nos proteger... 
   - Eu não sei, Rob... eles podem, sei lá, não gostar disso... 
   - Cara, se você quer voltar pra ser estraçalhado por aquelas coisas pode ir. Eu vou ficar.
   Tentaram a campainha mais uma vez, porém nenhum ruído dessa vez. 
   - Vamos entrar. 
   Rob girou a maçaneta, e novamente para a surpresa de ambos a porta se abriu. 
   - Olá! Tem alguém aí?! Nós estamos entrando, por favor, fiquem calmos, não queremos arrumar problemas!
   Mat veio cobrindo a retaguarda de Rob enquanto entravam na casa. A imagem que viam era de um palacete comparada ao que estavam acostumados, porém nada se moveu, nem sinal de que alguém estivesse por ali. 
   - Cara, não tem ninguém aqui. 
   - Mas a gente ouviu o latido de um cachorro!
   - Não sei, às vezes foi só uma impressão... 
   - Não, Rob, tenho certeza de que era um cachorro, vamos tomar cuidado!
   - Ei! Fica calmo, vamos olhar essa sala aqui e ver se encontramos alguém. 
   Os dois caminharam pela sala de estar, que também estava deserta. A lareira estava apagada, havia apenas algumas xícaras sobre uma pequena mesa com tampo de vidro acima de um tapete de veludo vinho, a TV de LED estava desligada, as poltronas vazias, uma prateleira de livros bem próxima da janela tinha algumas fotos expostas em porta-retratos.
   - Olha, Rob! Deve ser a família que mora aqui.
   - Será que eles foram viajar?
   - Não sei, você ouviu o cachorro... 
   - Oras, podem ter ido viajar e deixado o cachorro... Só espero que não seja um pitbull - Falou Rob lançando um sorrisinho de sarcasmo.
   - Não é, olha aquela outra foto... 
   - Ufa, essa coisinha não estraga nem minha calça. 
   Um latido veio do corredor que tinham acabado de passar. Os dois garotos ficaram em choque, apenas se viraram para ver quem estava por ali os observando.
   - Oi, quem são vocês?
   Robson ficou espantado ao ver uma menininha parada segurando a coleira de um cão. Era a menina da foto, uma doce garota de cabelos negros e ondulados que iam até os ombros, tinha pouco mais que um metro a pequena pessoa, a pele um pouco pálida e um rosto muito delicado.
   - Você mora aqui, certo?
   - Sim, eu estou esperando meus pais, vocês conhecem eles? - Os pequenos olhos da menina brilharam. 
   - É... acho que não conhecemos não. 
   - Qual é o nome de vocês?
   - Eu me chamo Robson, e esse aqui é Matheus... e você? qual o seu nome?
   - Eu me chamo Victória, e esse é o Tod.
   - Que cachorro bonito, acho que você gosta muito dele, né?
   - Uhum. 
   - É... e seus pais? Onde eles estão?
   - Eles foram viajar, eu fiquei aqui com o tio Marcos. 
   Os garotos se incomodaram com a informação do adulto, ele poderia não achar nada adequado que dois garotos desconhecidos tivessem pulado o muro e ficado ali falando com sua sobrinha.
   - E seu tio? Onde ele está?
   - Não sei, ele disse que ia comprar cigarros uns dias atrás e não voltou, acho que o tio foi pra casa dele... Tenho medo de ficar aqui sozinha, por isso eu durmo com o Tod. 
  Os dois se entreolharam e perceberam o que devia ter acontecido com o tio da menina. Além de a acharem muito corajosa por permanecer sozinha na casa naquelas condições que as coisas estavam.
   - Não precisa ter medo, agora eu e o Matheus vamos te fazer companhia. 
   - É, nós vamos ficar aqui com você, Vic... Ops... Posso te chamar assim? só de Vic? 
   - Uhum... é assim que meus pais me chamam, e como posso chamar vocês?
   - Me chama de Mat, ele você pode chamar de Rob.
   - Apelidos engraçados - A garotinha soltou uma risadinha. 
   No mesmo instante o estômago de Matheus soltou um ruído que cortou o assunto e aumentou ainda mais o riso no rosto da menina. 
   - Vic, será que você teria algo pra gente comer? Nós nos esquecemos de pegar nossas coisas quando viemos pra cá.
   - Tem bastante comida aqui, vamos pra cozinha! 
   A menininha foi caminhando e levando o cachorro pela coleira até a cozinha, onde apresentou aos garotos um ótimo banquete com suco, biscoitos, pão e margarina e alguns docinhos. 
   - Nossa! nunca comi nada igual, essas cookies estão maravilhosas! – Disse Matheus se empanturrando com a comida.
   - Realmente estão ótimas, obrigado, Vic. 
   - De nada. 
   - Mas me diga, por que você deixa a porta aberta? Não tem medo daquelas coisas lá fora? 
   - Eu morro de medo deles, só abri a porta pra vocês entrarem... Queria meus pais aqui.
   Robson notou a ingenuidade da menina, que teve sorte, pois se fosse alguma pessoa ruim sabe-se lá o que poderia ter feito com aquela garotinha. 
   - Eu tenho um esconderijo, e fico lá esperando meus pais, daí hoje ouvi vocês e abri a porta, tenho medo de ficar aqui sem ninguém... - O olhinhos da menina encheram-se de lágrimas. 
   Os garotos mal podiam acreditar que ela tinha passado mais de um dia sozinha.
   - Ei, fica calma, Vic! Nós estamos aqui com você e não vamos deixar que nada te aconteça!
   - Prometem?
   - Claro, eu e o Mat somos seus seguranças agora, vamos cuidar de você até que seus pais ou o tio Marcos voltem!
   A menininha correu até Robson e o abraçou. Seus dedinhos o apertaram com tanta força que parecia despedir-se dele para o resto da vida. 
   - Só vai ter que me prometer que vai ser mais cuidadosa, bem? Nós poderíamos ser homens maus, você não pode abrir a porta pra qualquer um!
   - Uhum, eu prometo... Mas se vocês fossem maus o Tod teria atacado vocês, ele não gosta de homens maus.
   A noite começava a cair e o barulho asqueroso daqueles zumbis começava a ficar mais alto devido ao aumento deles perambulando nas ruas. O som era terrível, mas dentro da casa onde estavam mal se dava para ouvir aquele inferno. Apenas Tod soltava alguns latidos de vez em quando.
   A garotinha mostrou-lhes o resto da casa, que tinha dezesseis cômodos, todos muito amplos, inclusive os quatro banheiros. Porém, todos vazios, apenas preenchidos pelas mobílias.
   Depois os garotos fizeram companhia à pequena Vic e assistiram a alguns desenhos com ela. A menina parecia estar tão alegre que esquecera a ausência dos pais por uns instantes. Mat deixou as brincadeiras de lado e foi observar a janela um pouco. 
   - Ei, Rob, dá pra vir aqui um pouco?
   - indo. 
   A menina se espantou com o repentino chamado, Mat percebendo isso tentou acalmá-la. 
   - Não é nada, Vic, eu só quero falar com o Rob, a gente já volta pra brincar. 
   A garotinha retornou a pintar a folha em que fazia um desenho. 
   - O que foi? 
   - Percebeu que não tem energia em lugar algum, só aqui? 
   - É, eu vi mesmo. Eles devem ter geradores de emergência pra falta de energia... 
   - Sim, eles são ricos. 
   - Sabe... fico feliz que você tenha conseguido se salvar, nem posso acreditar no que o nosso alojamento virou. 
   - Eu que tenho que te agradecer, cara, sem você eu não estaria vivo.
   - Bem... e nossos pais? Como será que eles estão? Espero que o governo tenha conseguido proteger as cidades grandes... 
   - Eles estão bem sim, pelo visto foi aqui que essa merda passou dos limites... Nossos amigos... espero que tenham conseguido escapar... 
   - Pois é... em pensar que falavam que o alojamento que era seguro, se continuássemos lá acho que não estaríamos mais vivos.
   - É... e essa menina? Não achou estranho ela abrir a porta pra gente? Ela nem nos conhecia. 
   - Essa garotinha é um doce de criança, teve sorte que outros não tentaram fazer o mesmo que a gente, os pais dessa menina tinham que tomar mais cuidado em deixá-la em casa sozinha.
   - Ela não está sozinha, esqueceu que tem o tio dela?
   - Você sabe muito bem o que deve ter acontecido com ele, acha que alguém sairia pra comprar algo e sobreviveria lá fora? Ainda mais um velhote. 
   - Não sabemos se era um velhote... 
   - Um cara que fuma e cuida da sobrinha só pode ser um velhote...
   O diálogo dos dois foi interrompido quando Vic veio lhes mostrar o desenho que tinha feito. Os dois elogiaram os rabisquinhos da garotinha e brincaram mais um pouco com ela.
   Já estava começando a ficar tarde, os dois tinham corrido muito durante o dia, o mau cheiro era inevitável. Eles perguntaram a menina se podiam tomar um banho e trocar de roupas. Para a sorte deles o pai da garota havia deixado umas peças velhas de roupa, que serviriam muito bem em Rob, mas ficariam um pouco apertadas para Mat. 
   Havia dois banheiros no andar de cima e dois no térreo, Vic optou por deixá-los tomar banho nos de cima, que eram próximos de seu quarto e de outro quarto que os garotos poderiam dormir, o mesmo em que estava tio Marcos. 
   Rob foi o último a tomar banho, assim que saiu do banheiro resolveu dar uma olhada pelos cômodos. No fim do corredor havia uma escotilha no teto que não fora apresentada aos meninos. 
   - Hum, deve ser um sótão. - Pensou Rob. 
   Rob até quis puxar a porta e subir para conhecer um pouco mais da casa, mas já estava tarde demais e poderia não ser fácil de encontrar o interruptor da luz lá em cima, além do mais, ele era visita.
   Entrando no quarto que lhes foi concedido foi logo experimentar a cama, apenas Matheus estava no quarto, Victória permanecia em seu quarto escovando o pelo de Tod. Havia, ao lado da cama, um criado mudo com uma gaveta. Rob não resistiu à curiosidade e a abriu. Dentro tinha uma caixinha envolvida numa sacola de plástico.
   - Isso parece um... Não pode ser!
   Era um maço de cigarros ainda na embalagem. 
   - O tio dela ainda está aqui!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013


Curiosidade de criança
Por Gustavo Gonçalves

   Uma tarde fresca, soprava levemente uma brisa densa, o sol encontrava-se a um palmo do horizonte. O pai estava confortavelmente repousado em sua poltrona azul de veludo lendo as manchetes sobre esportes na sala de estar. Enquanto isso o filho, que brincava com alguns carrinhos os largou e se dirigiu ao pai.
   - Pai, o que é amor? - Perguntou inocentemente o filho.
   - Hã?... amor?... hum... amor é quando você gosta de alguém, filho. - Respondeu o pai calmamente enquanto virava uma folha do jornal.
   - Igual com você e a mãe? Você amava a mãe, pai? - Perguntou o garoto novamente com os olhos cintilantes.
   - É, filho... igual eu e a mamãe. - Respondeu o pai virando outra folha do jornal.
   - E por que você amava a mamãe? Ela fez alguma coisa pra você amar ela? - Insistiu o garoto no questionário.
   - Não existe explicação, filho, a gente simplesmente gosta da pessoa e passa a amá-la, você tem que encontrar algo de belo no coração dela que te encante, entendeu? - Respondeu o pai pacientemente e repousando as folhas do jornal em suas pernas.
   - Hum, entendi. - Respondeu o garoto arregalando os olhos.
   O menino retornou ao seu posto com os carrinhos e continuou a brincar, o pai o observando retornou a abrir o jornal em seguida. Alguns minutos depois o homem sentiu uma cutucada em sua perna direita, era a mãozinha do filho.
   - Pai, por que então que as mulheres usam roupa curta? - Retornou o garoto às perguntas.
   - Roupas curtas? - o homem corou um pouco e deu um sorrisinho amarelo - Bem... algumas mulheres gostam de se destacar de alguma forma, daí vestem essas coisas. - Respondeu o pai da melhor forma possível.
   - Mas por que elas querem se destacar? - Cravando os olhos cintilantes no pai, o garoto perguntava sem parar.
   - Para conseguirem um namorado, para que algum homem olhe para elas e goste delas. - Encolhendo o jornal outra vez, o pai continuou respondendo com paciência.
   - Mas você não disse que a gente ama as pessoas e que é só olhar pro coração delas e ver o que tem de bom? - Perguntou o garoto outra vez, mas deixando o pai em saia justa.
   - É que é assim, filho, algumas pessoas não sabem o que é amor, e acham que é só a aparência que conta, mas isso não é verdade, o coração da pessoa é o que mais conta. Olha o nosso vizinho, o senhor Adalberto, ele não é feio? Mas mesmo assim ele tem uma mulher que o ama, e isso porque ele é uma ótima pessoa. - Explicou o pai tentando não perder a linha de raciocínio.
   O garoto fez cara de quem estava entendendo tudo e num salto retornou a brincar, o pai perdeu o ânimo de ler o jornal e ficou pensando no questionário do filho. Mais uns minutos e novas cutucadas.
   - Pai, por que você não fala pra essas pessoas o que é o amor então?
   - Não é tão simples assim, filho... tem gente que nunca vai entender o que é amar alguém, essas pessoas sempre vão vestir roupas curtas achando que esse é o melhor caminho. Você ainda é criança, não vai entender tão bem...
   - Hum, então quem usa roupa curta não sabe o que é amor?
   - Não é exatamente assim, filho, tudo depende da intenção da pessoa, a roupa nem sempre mostra quem você é totalmente por dentro.
   - Hum, entendi.
   - Mais perguntas? Ou por hoje acabaram?
   - É... Por que a vizinha esses dias disse que homem bom é homem com pegada? Pra amar tem que deixar pegadas no chão também?
   - Não escute aquela velha louca, filho, - o homem soltou uma leve gargalhada pelo trocadilho inocente do filho - ela não sabe o que fala... isso é coisa de animal irracional que não quer amor, quer outra coisa que só quando você for adulto vai entender...
   - Sabe, pai, com você agora falando eu acho que o amor não é tão complicado como todo mundo fala.
   - As pessoas falam muito, falam tanto que nem sabem o que estão falando, ou fazendo, daí acabam fazendo bobagens e acreditando nelas... O amor não é complicado, as pessoas é que dificultam tudo, se elas fossem crianças, assim como você, elas saberiam o que é amar.
   Depois do incansável questionário o garoto finalmente se deu por convencido e foi tomar banho. Ele, que tinha apenas o pai, pois a mãe havia morrido no parto, sempre o questionava incessantemente.
   Dez anos depois o pai do garoto morreu num acidente de carro. O menino, que já completava quinze anos, emudeceu-se no velório, manifestava-se apenas um choro torrencial em seu semblante, porém, mudo.
   Mais dez anos se passaram depois desse dia trágico e tempestuoso. O menino, que agora já era rapaz, encontrava-se na lápide de seu pai jogando algumas flores. Nisso uma roliça senhora que por ali caminhava se aproximou do rapaz.
   - Eu conheci o seu pai... seu nome é Estevão, não é? - Perguntou a mulher rechonchuda que tinha cara de bondosa.
   - Sim, sou eu... Perdoe-me, nós nos conhecemos? - Perguntou o rapaz um pouco confuso com a surpresa.
   - Eu sou sua ex-vizinha, morava de frente com o senhor Adalberto, te conheço desde muito pequeno, lamento muito pelo seu pai, ele era um ótimo homem e excelente vizinho... - Respondeu a mulher com ar de consolo.
   - Obrigado, sinto muito a falta dele... - Disse o rapaz com um enorme aperto no peito.
   - Eu imagino, deve ser uma perda terrível... Mas e você, não se sente muito sozinho? Desculpe a intromissão, mas você não tem uma namorada ou já é casado? Faz muito tempo que não o vejo... - Falou a mulher com tanta curiosidade que parecia estar numa cafeteria jogando conversa fora.
   - Não, - o rapaz corou de leve - eu não tenho ninguém, moro com meus avós agora. - Respondeu Estevão fixando o olhar no chão.
   - Perdoe-me se te constrangi, eu sou um pouco especuladora mesmo às vezes... Mas acho que você deveria arrumar uma namoradinha da sua idade, uma moça bonita, você é um rapaz bonitão, não deixe o tempo passar! - Disse a mulher com entusiasmo na expressão.
   - Obrigado pelo elogio - sorriu o rapaz -, mas acho que nunca encontrei ninguém até hoje porque meu pai me ensinou o que é o amor... - Respondeu Estevão com o olhar penetrante.
   - Mas então não entendo, se ele te ensinou, por que continua só? - Indagou a mulher com cara de bolacha franzindo a testa.
   - É que as outras pessoas não tiveram o meu pai para ensiná-las, todas as pessoas que conheci não sabiam o que é o amor, é por isso que continuo sozinho... Bem, preciso ir andando, tenho que pegar o remédio do meu avô, foi um prazer reencontrá-la, até mais! - Despediu-se Estevão da mulher rechonchuda e partiu.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012


Então bom Natal?
Por Gustavo Gonçalves

   Sei que começar um texto natalino sendo arrogante não é lá muito agradável, tampouco harmonioso. Também sei que ficar desejando, falsamente, coisas que de fato não desejo a todos da mesma forma é prosaico e cansativo. Mas sem essa de que papai noel é só um símbolo comercial, de que o natal é uma data capitalista, de que tudo não passa de um investimento do Marketing. Posso reduzir minha vida inteira a um valor monetário, não posso? Por exemplo, fazer as contas de quanto dinheiro vou gastar em toda minha vida e dizer que valho aquilo. Porém, isso corresponderia a totalidade do que é a vida? Óbvio que não. Onde estão os bons e velhos otimistas para jogar as frases de efeito agora e dizer que o natal, assim como tudo na vida, não passa de uma forma de se iludir e se desfrutar do que vier?!
   Não pretendo que ninguém passe a acreditar em papai noel, muito menos pretendo entrar nessa discussão de que ele é uma coisa ou outra. Pelo saldo dos noticiários do ano inteiro, acho que seria mais plausível fazer um grande dia da depressão humana. Mas é aí que entra "a magia do natal", não se trata de simplesmente ignorar a vida e dizer "Oba! Festa!" (não que para algumas pessoas literalmente não passe disso), mas é um momento de se ignorar os fracassos e tragédias e buscar esperança. Não estou aqui idolatrando o natal, mas sim pondo esta data como um referencial para repensarmos algumas coisas na vida e procurarmos um caminho mais saudável para os problemas.


   Você não precisa acreditar no bom velhinho, se a ideia lhe for muito ridícula e irreal. Mas ficar aí parado xingando o mundo e reclamando de tudo na vida não vai colaborar muito. Seja esse bom velhinho e pronto, seu natal irá começar a ser diferente, primeiro porque acaba de se concretizar algo que você mesmo duvidava, segundo porque mudanças sempre geram mudanças, então quem sabe assim você não para de reclamar tanto?!
   Um pouco de amor, fraternidade, compaixão, afetividade e alegria não fazem mal a ninguém. Se a grana está apertada esse ano, pelo menos promova essa ideia de ser um ser humano melhor, o natal não precisa ser comercial se há verdade naquilo que se faz. Um presente sempre é bom, lógico, mas nada nessa vida substitui a realização de se conviver com boas pessoas.
   Ainda que o natal seja uma data cristã, peço aos meus amigos ateus para que quebrem um pouco essa rigidez antirreligiosa. E também faço uma ressalva aos queridos religiosos que adoram promover suas benfeitorias em nome de Jesus. Parem com isso! Façam por vocês, sejam a melhora que querem ver no mundo, ficar fazendo isso em nome de outra pessoa ou entidade é hipocrisia. Antes de qualquer coisa, não passamos de meros mortais que precisam melhorar eternamente, e por que não obter ajuda para isso?!
   A todos que me desejam um feliz natal tenho a lhes desejar o mesmo. Já ao resto, e sei que muita gente não se importa comigo e com o que escrevo, mas, ainda assim, desejo que continuem progredindo nessa vida e se tornem seres humanos melhores.