quarta-feira, 9 de janeiro de 2013
Curiosidade de criança
Por Gustavo Gonçalves
Uma tarde fresca, soprava levemente uma brisa densa, o sol encontrava-se a um palmo do horizonte. O pai estava confortavelmente repousado em sua poltrona azul de veludo lendo as manchetes sobre esportes na sala de estar. Enquanto isso o filho, que brincava com alguns carrinhos os largou e se dirigiu ao pai.
- Pai, o que é amor? - Perguntou inocentemente o filho.
- Hã?... amor?... hum... amor é quando você gosta de alguém, filho. - Respondeu o pai calmamente enquanto virava uma folha do jornal.
- Igual com você e a mãe? Você amava a mãe, pai? - Perguntou o garoto novamente com os olhos cintilantes.
- É, filho... igual eu e a mamãe. - Respondeu o pai virando outra folha do jornal.
- E por que você amava a mamãe? Ela fez alguma coisa pra você amar ela? - Insistiu o garoto no questionário.
- Não existe explicação, filho, a gente simplesmente gosta da pessoa e passa a amá-la, você tem que encontrar algo de belo no coração dela que te encante, entendeu? - Respondeu o pai pacientemente e repousando as folhas do jornal em suas pernas.
- Hum, entendi. - Respondeu o garoto arregalando os olhos.
O menino retornou ao seu posto com os carrinhos e continuou a brincar, o pai o observando retornou a abrir o jornal em seguida. Alguns minutos depois o homem sentiu uma cutucada em sua perna direita, era a mãozinha do filho.
- Pai, por que então que as mulheres usam roupa curta? - Retornou o garoto às perguntas.
- Roupas curtas? - o homem corou um pouco e deu um sorrisinho amarelo - Bem... algumas mulheres gostam de se destacar de alguma forma, daí vestem essas coisas. - Respondeu o pai da melhor forma possível.
- Mas por que elas querem se destacar? - Cravando os olhos cintilantes no pai, o garoto perguntava sem parar.
- Para conseguirem um namorado, para que algum homem olhe para elas e goste delas. - Encolhendo o jornal outra vez, o pai continuou respondendo com paciência.
- Mas você não disse que a gente ama as pessoas e que é só olhar pro coração delas e ver o que tem de bom? - Perguntou o garoto outra vez, mas deixando o pai em saia justa.
- É que é assim, filho, algumas pessoas não sabem o que é amor, e acham que é só a aparência que conta, mas isso não é verdade, o coração da pessoa é o que mais conta. Olha o nosso vizinho, o senhor Adalberto, ele não é feio? Mas mesmo assim ele tem uma mulher que o ama, e isso porque ele é uma ótima pessoa. - Explicou o pai tentando não perder a linha de raciocínio.
O garoto fez cara de quem estava entendendo tudo e num salto retornou a brincar, o pai perdeu o ânimo de ler o jornal e ficou pensando no questionário do filho. Mais uns minutos e novas cutucadas.
- Pai, por que você não fala pra essas pessoas o que é o amor então?
- Não é tão simples assim, filho... tem gente que nunca vai entender o que é amar alguém, essas pessoas sempre vão vestir roupas curtas achando que esse é o melhor caminho. Você ainda é criança, não vai entender tão bem...
- Hum, então quem usa roupa curta não sabe o que é amor?
- Não é exatamente assim, filho, tudo depende da intenção da pessoa, a roupa nem sempre mostra quem você é totalmente por dentro.
- Hum, entendi.
- Mais perguntas? Ou por hoje acabaram?
- É... Por que a vizinha esses dias disse que homem bom é homem com pegada? Pra amar tem que deixar pegadas no chão também?
- Não escute aquela velha louca, filho, - o homem soltou uma leve gargalhada pelo trocadilho inocente do filho - ela não sabe o que fala... isso é coisa de animal irracional que não quer amor, quer outra coisa que só quando você for adulto vai entender...
- Sabe, pai, com você agora falando eu acho que o amor não é tão complicado como todo mundo fala.
- As pessoas falam muito, falam tanto que nem sabem o que estão falando, ou fazendo, daí acabam fazendo bobagens e acreditando nelas... O amor não é complicado, as pessoas é que dificultam tudo, se elas fossem crianças, assim como você, elas saberiam o que é amar.
Depois do incansável questionário o garoto finalmente se deu por convencido e foi tomar banho. Ele, que tinha apenas o pai, pois a mãe havia morrido no parto, sempre o questionava incessantemente.
Dez anos depois o pai do garoto morreu num acidente de carro. O menino, que já completava quinze anos, emudeceu-se no velório, manifestava-se apenas um choro torrencial em seu semblante, porém, mudo.
Mais dez anos se passaram depois desse dia trágico e tempestuoso. O menino, que agora já era rapaz, encontrava-se na lápide de seu pai jogando algumas flores. Nisso uma roliça senhora que por ali caminhava se aproximou do rapaz.
- Eu conheci o seu pai... seu nome é Estevão, não é? - Perguntou a mulher rechonchuda que tinha cara de bondosa.
- Sim, sou eu... Perdoe-me, nós nos conhecemos? - Perguntou o rapaz um pouco confuso com a surpresa.
- Eu sou sua ex-vizinha, morava de frente com o senhor Adalberto, te conheço desde muito pequeno, lamento muito pelo seu pai, ele era um ótimo homem e excelente vizinho... - Respondeu a mulher com ar de consolo.
- Obrigado, sinto muito a falta dele... - Disse o rapaz com um enorme aperto no peito.
- Eu imagino, deve ser uma perda terrível... Mas e você, não se sente muito sozinho? Desculpe a intromissão, mas você não tem uma namorada ou já é casado? Faz muito tempo que não o vejo... - Falou a mulher com tanta curiosidade que parecia estar numa cafeteria jogando conversa fora.
- Não, - o rapaz corou de leve - eu não tenho ninguém, moro com meus avós agora. - Respondeu Estevão fixando o olhar no chão.
- Perdoe-me se te constrangi, eu sou um pouco especuladora mesmo às vezes... Mas acho que você deveria arrumar uma namoradinha da sua idade, uma moça bonita, você é um rapaz bonitão, não deixe o tempo passar! - Disse a mulher com entusiasmo na expressão.
- Obrigado pelo elogio - sorriu o rapaz -, mas acho que nunca encontrei ninguém até hoje porque meu pai me ensinou o que é o amor... - Respondeu Estevão com o olhar penetrante.
- Mas então não entendo, se ele te ensinou, por que continua só? - Indagou a mulher com cara de bolacha franzindo a testa.
- É que as outras pessoas não tiveram o meu pai para ensiná-las, todas as pessoas que conheci não sabiam o que é o amor, é por isso que continuo sozinho... Bem, preciso ir andando, tenho que pegar o remédio do meu avô, foi um prazer reencontrá-la, até mais! - Despediu-se Estevão da mulher rechonchuda e partiu.
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